Ele estava lá, no seu canto, deitado como a vítima de um furacão, de uma tragédia. Eu me aproximei e o encarei. Nunca havia visto ninguém tão mal. Ele parecia acabado, destruído, como se não tivesse concerto, esperando pelo abraço carinhoso da morte.
Eu não estava tão diferente. Tínhamos passado por tudo aquilo juntos. Mas acho que ele foi a maior vítima. Mal falava, deitado num canto, apenas respirando pausadamente, nas que pareciam ser suas últimas forças.
Eu não deveria ter ido lá. Discutir com ele. Seria como chutar cachorro morto, de tão mal que ele estava. Mas que isso importava. Eu também estava morta.
Aproximei-me sem ele perceber, tanto que o peguei de surpresa e assustado como um garoto de cinco anos quando disse isso:
__Está satisfeito agora?!
__Ah, é você?! __Disse ele com desânimo. Como se não soubesse que apenas eu ainda falava com ele.
__ Está satisfeito agora?! __Repeti, pois quando falei da primeira vez ele parecia ainda estar acordando. Então reforcei, não iria brigar com alguém dormindo. Com alguém sofrendo muito sim, não com alguém dormindo.
__O que você acha?!
__Acho que você merece!
__É isso que você pensa?! Parece que tudo que aconteceu não te afetou em nada.
__Não me afetou em nada?! Você está brincando, não?! Eu estou destruída, arrasada. E tudo por culpa sua!
__Não era a minha intenção fazê-la sofrer.
__Não, você não me fez sofrer. Você me fez de idiota. Você me atingiu como nunca ninguém havia feito antes. Não sei como pude ouvi-lo. Foi você que ficou insistindo para eu ser menos exigente, para eu tentar me apaixonar. E agora?! Você tem mais algum conselho brilhante?!
__Desculpa. Eu realmente sinto muito. __Disse ele se reerguendo e recuperando a firmeza na voz. Apenas agora pude ver realmente como ele estava. Um lixo. Não consigo uma palavra melhor. Parecia não dormir há meses, embora quando eu tenha chegado ele estivesse fazendo isso. Estava com a barba crescida, os cabelos desgrenhados, e mais magro, muito abatido.
__Você sente muito?! E eu?! O que eu faço?! Você me deu conselhos antes, pois eu os quero agora. O que eu faço agora para retirá-lo de onde você insistiu para que eu o deixasse entrar?! Como eu posso retirar a imagem dele das profundezas da minha alma, a sua voz dos meus sonhos, e o cheiro dele dos meus devaneios. __Disse eu, começando a chorar, diante do meu próprio desespero frente a sua segurança.
__Eu realmente não sei.
__Ótimo. Não sei como pude ouvi-lo. Não sei como pude acreditar nas suas fantasias. Você me havia dito que ele poderia me amar. Que no amor tudo é possível. E agora?! O que eu faço?! Agora que sei que ele nunca será meu?!
__Se eu falar que ainda há esperança você acreditará?!
__Não, seu drogado! O que você anda fumando, hein?!
__Eu sinto muito. Sinto mesmo. Mas duvido que você esteja sofrendo tanto quanto eu.
__Pouco me importa se você está sofrendo. Eu que não deveria estar. Foi você que pediu. Eu não.
__Mas é o preço, garota. Eu nunca lhe disse que o amor sempre seria correspondido. Isso acontece. Amores não correspondidos são comuns. Agora só nos resta tentar esquecer e tentar aprender algo com isso.
__Eu aprendi algo. A nunca mais lhe ouvir. Como você pode encarar tudo assim agora, depois de tudo o que sonhou comigo, todos os planos que fizemos juntos, todas as fantasias?! Você acha que vou confiar em você novamente?! Ouvir seus conselhos?! Nunca. Jamais. Eu aprendi algo. Você é louco. E um grande mentiroso.
__Não fale assim comigo. Você é a única que tenho e você tem apenas a mim. Nós nos reergueremos dessa. Podemos fazer isso juntos, se você quiser.
__Pois eu não quero. Nunca mais quero vê-lo, nem falar com você. Você não tem idéia do que fez comigo, tem?! Eu nunca me permiti voar tão alto, e agora sofri essa queda tão abissal. Você acha que voarei novamente?! Nunca. Nunca mais usarei essas asas que você me deu. Asas de cera.
__Você não gostou de voar?!
__Não a esse preço. É melhor darmos um tempo. Ou nos afastarmos para sempre.
__Não. Não se afaste de mim.
__Adeus. Vai ser melhor assim.
__Você vai voltar. Eu sei. E eu estarei aqui lhe esperando, de braços abertos.
__Acho que não.
__Eu espero que sim. A dor faz parte da vida. E você vai aprender a gostar dela.
__Você é louco.
__Nunca ouviu dizer que todo amor tem um pouco de loucura.?!
__Mas nem todo coração deveria ter amor.
__Pois eu estou cheio dele. E você um dia me dará novamente a outro rapaz.
__Acho que nenhum outro rapaz quererá você. Você está apenas cacos. E pode ser que da próxima você não volte vivo.
__Estou disposto a correr esse risco.
__Eu não. __Então fui embora, antes que ele falasse qualquer coisa que me convencesse a ficar, e acatar todas as suas loucuras. Ele se achava tão forte. Mas ele era tão frágil. Eu sabia, afinal quem melhor do que eu para conhecer meu próprio coração?!