quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Conversa


Ele estava lá, no seu canto, deitado como a vítima de um furacão, de uma tragédia. Eu me aproximei e o encarei. Nunca havia visto ninguém tão mal. Ele parecia acabado, destruído, como se não tivesse concerto, esperando pelo abraço carinhoso da morte.

Eu não estava tão diferente. Tínhamos passado por tudo aquilo juntos. Mas acho que ele foi a maior vítima. Mal falava, deitado num canto, apenas respirando pausadamente, nas que pareciam ser suas últimas forças.

Eu não deveria ter ido lá. Discutir com ele. Seria como chutar cachorro morto, de tão mal que ele estava. Mas que isso importava. Eu também estava morta.

Aproximei-me sem ele perceber, tanto que o peguei de surpresa e assustado como um garoto de cinco anos quando disse isso:

__Está satisfeito agora?!
__Ah, é você?! __Disse ele com desânimo. Como se não soubesse que apenas eu ainda falava com ele.
__ Está satisfeito agora?! __Repeti, pois quando falei da primeira vez ele parecia ainda estar acordando. Então reforcei, não iria brigar com alguém dormindo. Com alguém sofrendo muito sim, não com alguém dormindo.
__O que você acha?!
__Acho que você merece!
__É isso que você pensa?! Parece que tudo que aconteceu não te afetou em nada.
__Não me afetou em nada?! Você está brincando, não?! Eu estou destruída, arrasada. E tudo por culpa sua!
__Não era a minha intenção fazê-la sofrer.
__Não, você não me fez sofrer. Você me fez de idiota. Você me atingiu como nunca ninguém havia feito antes. Não sei como pude ouvi-lo. Foi você que ficou insistindo para eu ser menos exigente, para eu tentar me apaixonar. E agora?! Você tem mais algum conselho brilhante?!
__Desculpa. Eu realmente sinto muito. __Disse ele se reerguendo e recuperando a firmeza na voz. Apenas agora pude ver realmente como ele estava. Um lixo. Não consigo uma palavra melhor. Parecia não dormir há meses, embora quando eu tenha chegado ele estivesse fazendo isso. Estava com a barba crescida, os cabelos desgrenhados, e mais magro, muito abatido.
__Você sente muito?! E eu?! O que eu faço?! Você me deu conselhos antes, pois eu os quero agora. O que eu faço agora para retirá-lo de onde você insistiu para que eu o deixasse entrar?! Como eu posso retirar a imagem dele das profundezas da minha alma, a sua voz dos meus sonhos, e o cheiro dele dos meus devaneios. __Disse eu, começando a chorar, diante do meu próprio desespero frente a sua segurança.
__Eu realmente não sei.
__Ótimo. Não sei como pude ouvi-lo. Não sei como pude acreditar nas suas fantasias. Você me havia dito que ele poderia me amar. Que no amor tudo é possível. E agora?! O que eu faço?! Agora que sei que ele nunca será meu?!
__Se eu falar que ainda há esperança você acreditará?!
__Não, seu drogado! O que você anda fumando, hein?!
__Eu sinto muito. Sinto mesmo. Mas duvido que você esteja sofrendo tanto quanto eu.
__Pouco me importa se você está sofrendo. Eu que não deveria estar. Foi você que pediu. Eu não.
__Mas é o preço, garota. Eu nunca lhe disse que o amor sempre seria correspondido. Isso acontece. Amores não correspondidos são comuns. Agora só nos resta tentar esquecer e tentar aprender algo com isso.
__Eu aprendi algo. A nunca mais lhe ouvir. Como você pode encarar tudo assim agora, depois de tudo o que sonhou comigo, todos os planos que fizemos juntos, todas as fantasias?! Você acha que vou confiar em você novamente?! Ouvir seus conselhos?! Nunca. Jamais. Eu aprendi algo. Você é louco. E um grande mentiroso.
__Não fale assim comigo. Você é a única que tenho e você tem apenas a mim. Nós nos reergueremos dessa. Podemos fazer isso juntos, se você quiser.
__Pois eu não quero. Nunca mais quero vê-lo, nem falar com você. Você não tem idéia do que fez comigo, tem?! Eu nunca me permiti voar tão alto, e agora sofri essa queda tão abissal. Você acha que voarei novamente?! Nunca. Nunca mais usarei essas asas que você me deu. Asas de cera.
__Você não gostou de voar?!
__Não a esse preço. É melhor darmos um tempo. Ou nos afastarmos para sempre.
__Não. Não se afaste de mim.
__Adeus. Vai ser melhor assim.
__Você vai voltar. Eu sei. E eu estarei aqui lhe esperando, de braços abertos.
__Acho que não.
__Eu espero que sim. A dor faz parte da vida. E você vai aprender a gostar dela.
__Você é louco.
__Nunca ouviu dizer que todo amor tem um pouco de loucura.?!
__Mas nem todo coração deveria ter amor.
__Pois eu estou cheio dele. E você um dia me dará novamente a outro rapaz.
__Acho que nenhum outro rapaz quererá você. Você está apenas cacos. E pode ser que da próxima você não volte vivo.
__Estou disposto a correr esse risco.
__Eu não. __Então fui embora, antes que ele falasse qualquer coisa que me convencesse a ficar, e acatar todas as suas loucuras. Ele se achava tão forte. Mas ele era tão frágil. Eu sabia, afinal quem melhor do que eu para conhecer meu próprio coração?!

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Autopsicografia


Ela tinha tudo o que queria. Tudo mesmo.
Não que ela tivesse ganhado um pônei aos 2 anos. Mas ela não queria um pônei mesmo. Ela queria uma boneca e ganhou.

Ela tinha realmente tudo o que queria, desde que nasceu. Não que fosse rica, apenas quando pedia algo, seus pais, vencendo todas as dificuldades, realizavam seu pedido.

Ela era feliz. Mas depois se cansou de ter tudo o que queria pelos outros, pelos pais, familiares, e amigos, que a protegiam e queriam lhe dar de tudo. Ela queria ter as coisas por suas próprias mãos. E foi à luta.

Começaram as provas, seus desafios, e ela se tornou a melhor aluna da sala. E estudava, estudava e estudava para tirar as maiores notas. Era o que ela queria e era o que conseguia.

Não que ela quisesse tirar as maiores notas para se sentir superior aos outros, ela não se sentia superior, embora algumas pessoas quisessem que ela se sentisse assim. Ela queria superar a si mesma, superar as expectativas dos professores, tirar a nota máxima. E conseguia. Na maioria das vezes, pelo menos.

Então chegou a prova mais importante de todas, que definiria seu futuro, sua profissão, ela poderia querer a profissão que fosse, que conseguiria, em qualquer lugar do mundo. Não por ela ser um gênio, ou ter uma inteligência fora do normal, nem era esnobe.

Apenas que ela conseguiria, pois ela passaria a vida inteira, deixaria de respirar, de fazer qualquer coisa, apenas lutaria por esse objetivo. Afinal, era fácil, só dependia dela. E então ela escolheu o curso mais difícil, pelo menos em sua realidade, não por querer aparecer, apenas porque parecia incrível e desafiador andar na linha tênue entre a vida e a morte. Era algo que já não dependia apenas dela, por isso um desafio ainda maior.

Mas então algo lhe pegou de surpresa, ou melhor, alguém, com seus olhos de floresta, logo após ela ter passado seu maior desafio até então.

Ele era perfeito. E ela o queria. Ah, como ela o queria... E então quis elaborar algum modo de alcançar seu objetivo: tê-lo. Mas era muito mais difícil do que qualquer aventura pela qual passara. Ela não poderia simplesmente se declarar, perderia a magia, queria que ele a amasse pelo que era, não por gostar dele.

E como demonstrar seu sentimento?! Ela era tímida! Ah, como ela era tímida... E então, ultrapassando suas barreiras, à sua maneira, ela tentou, tentou e tentou. E numa noite de lua cheia, ela descobriu algo que a fez perder a razão. Ela descobriu, tentando conter as lágrimas que se apressavam por sair por aquela fresta súbita que se abria no seu coração infantil, que sangrava pela primeira vez, que ela não teria tudo o que queria. Ela soube, com um simples sinal, ela soube que nunca o teria. Por mais que quisesse. Ah, como ela queria...

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Coisas que eu sei


Eu quero ficar perto
De tudo que acho certo
Até o dia em que eu
Mudar de opinião
A minha experiência
Meu pacto com a ciência
Meu conhecimento
É minha distração...

Coisas que eu sei
Eu adivinho
Sem ninguém ter me contado
Coisas que eu sei
O meu rádio relógio
Mostra o tempo errado
Aperte o Play...

Eu gosto do meu quarto
Do meu desarrumado
Ninguém sabe mexer
Na minha confusão
É o meu ponto de vista
Não aceito turistas
Meu mundo tá fechado
Pra visitação...

Coisas que eu sei
O medo mora perto
Das idéias loucas
Coisas que eu sei
Se eu for eu vou assim
Não vou trocar de roupa
É minha lei...

Eu corto os meus dobrados
Acerto os meus pecados
Ninguém pergunta mais
Depois que eu já paguei
Eu vejo o filme em pausas
Eu imagino casas
Depois eu já nem lembro
Do que eu desenhei...

Coisas que eu sei
Não guardo mais agendas
No meu celular
Coisas que eu sei
Eu compro aparelhos
Que eu não sei usar
Eu já comprei...

As vezes dá preguiça
Na areia movediça
Quanto mais eu mexo
Mais afundo em mim
Eu moro num cenário
Do lado imaginário
Eu entro e saio sempre
Quando tô a fim...

Coisas que eu sei
As noites ficam claras
No raiar do dia
Coisas que eu sei
São coisas que antes
Eu somente não sabia...
Coisas que eu sei
As noites ficam claras
No raiar do dia
Coisas que eu sei
São coisas que antes
Eu somente não sabia...

Agora eu sei...
Agora eu sei...
Agora eu sei...
Ah! Ah! Agora eu sei...
Ah! Ah! Agora eu sei...
Ah! Ah! Agora eu sei...
Ah! Ah! Eu sei!

p.s.: A música é cantada pela Danni Carlos, mas quem compôs foi Dudu Falcão... Mil desculpas...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Italiano


Ele era tudo o que eu sempre sonhei: aventureiro, corajoso, galante e como era lindo! Meu Deus! Como ele podia ser tão lindo! No alto dos meus 15 a 16 anos já me deparei com o homem mais lindo que eu veria em toda a minha vida. E olhe que já vivi muito tempo. E já vi muitos homens, mas nenhum como ele... Garibaldi...

Garibaldi... Você já deve ter ouvido esse nome se estudou o mínimo de História do Brasil e mundial. Giuseppe Garibaldi...

Eu não me cansava de admirá-lo, desde a primeira vez que ouvi meu tio Bento falar seu nome, Garibaldi... Só essa palavra já me remetia a tantos pensamentos. Ele lutara pela independência de sua pátria, sendo um dos principais responsáveis por ela, mais tarde, e sua cabeça estava a prêmio na Itália.

Aquele italiano misterioso. Lutara pela sua pátria e agora vinha lutar pela minha, a pátria Rio-Grandense do meu tio Bento Gonçalves, de meu pai, de toda a minha família. A minha pátria e a pátria de Garibaldi.

Assim que o vi, logo percebi que todas as minhas expectativas e suposições não foram em vão, e foram até superadas. Aquele estrangeiro, de língua enrolada, mas que eu entendia como se fosse a minha língua, ele falava a linguagem do coração.

Certo dia, ele me pegou o admirando com os olhos bobos e apaixonados, o que não deveria surpreendê-lo, pois todos na casa de tia Ana e de tia Antônia o olhavam assim, menos a minha mãe, é claro. Que nem mesmo o mais ardente coração poderia aquecer o seu. Mas ele me olhou de um jeito estranho, como se lesse a minha mente. Eu contive timidamente um arrepio, e percebi meu rosto escarlate. Ele então falou:

__Siente-se mal, siñorina?! (Não sei se o italiano se escreve assim, imagino que não, mas foi como entendi. Perdoem-me).

Ele então pegou a minha mão, no meio da conversa de todos na sala, enquanto tia Ana cantava ao piano, e me conduziu para a varanda ventilada.

Desde aquele gesto eu sabia que estaria perdida. Já perdera meu coração para ele, antes mesmo de vê-lo, perdera meu orgulho próprio e soberania sobre mim mesma, pois ele já sabia que eu o amava com toda a minha força, e caso ele correspondesse a esse meu enlouquecido amor, minha mãe nunca permitiria tal namoro. E eu estaria perdida em desespero se não pertencesse a Garibaldi, e se ele não pertencesse a mim.

Ele segurou minha cintura e disse que nunca vira céu mais lindo, nem siñorina mais guapa. Até hoje não entendo porque ele fez isso comigo. Como ele pôde me amar e me fazer amá-lo daquela forma, para me trocar por outra... Anita...

Até hoje esse nome queima em meus lábios. Se ele era tão corajoso, por que não lutara por mim?! Por mim?! Sua menina Manuela?! Eu não fui corajosa o suficiente para enfrentar minha família e ir atrás dele em meio a toda a guerra do Rio Grande?!

Ela foi?! Ela não tinha nada a perder e o seguiu! E eu tinha tudo a perder, só por ter assumido meu amor por ele, ido aos encontros secretos, contrariado minha família e recusando o casamento com meu primo Joaquim. Eu não fui mais corajosa que ela?! A grande Anita Garibaldi?! Ela se acostumara às intempéries da vida e soubera segui-lo nas batalhas, foi para a Itália, com seus filhos.

Mas e para mim, que nunca precisara enfrentar nada, sempre fora protegida por todos?! Não fui mais corajosa ao amá-lo, ao enfrentar quem sempre me amou e quis meu bem?!

Sinceramente, nessa altura da vida, não sei se queria a vida de Anita, que morreu tão jovem... Não... Não queria... Assim não seria eu, seria ela, que ganharia novamente.

Tudo o que eu queria, o que sempre quis, e que nunca terei, a não ser numa vida futura, ou nos céus é o meu italiano... Garibaldi...


Texto baseado livremente no excelente Livro “A casa das sete mulheres” de Letícia Wierzchowski e na brilhante Minissérie “A casa das sete mulheres”, de Maria Adelaide Amaral e Walther Negrão, dirigida pelo brilhante Jaime Monjardim, contando com um inesquecível elenco: Camila Morgado, Thiago Lacerda, Mariana Ximenes, Thiago Fragoso, Samara Felippo, Heitor Martinez, Werner Schünemann, Eliane Giardini, Giovana Antonelli, Daniela Escobar, Marcelo Novaes, Murilo Rosa, Tarcísio Filho, Luís Melo e tantos mais excelentes autores que não acabaria de listá-los aqui.

P.S.: Esse texto elaborado apenas para a autora do post se deliciar com as lembranças e fantasiar com essa linda história também objetiva que os queridos visitantes do blog usufruem de tais obras, não apenas por propaganda, mas por querer que esses amigos possam se deleitar com tais fontes inesgotáveis de prazer.

Acho que me empolguei hoje, não?!