Duas vezes na minha vida, que eu me lembre, ver algo me fez ter certeza de quem eu era.
A primeira foi no início do ano, quando vi um parto natural pela primeira vez. Nunca vi algo tão lindo. Juro.
Não o fato de ver a mãe, coitada, de pernas abertas em cima de uma maca gritando de dor. (Mesmo assim quero ter parto normal, por isso quero ser muito apaixonada pelo pai da criança para poder vê-lo ao meu lado no momento decisivo, sentir suas mãos apertando as minhas e ouvir suas palavras de incentivo embargadas por sua força de não querer chorar na minha frente).
Mas o que mais me emocionou foi ouvir o choro da criança, ainda tão frágil, juntando todas as suas escassas forças e tentando sobreviver, ao mesmo tempo em que grita para sua amada mãe, exaurida na maca, que está vivo e tudo está e vai ficar bem.
Foi nesse dia que decidi ser pediatra. E mais tardiamente, decidi por oncologia pediátrica. Mas como tudo na vida é inconstante, pode ser que eu ainda mude de idéia.
A segunda vez foi quando eu li os 24 capítulos da Teoria Pedestáltica (Para maiores informações www.pedestal.cjb.net). É uma teoria muito bem elaborada e fascinante. Resumidamente, fala sobre as pessoas (creep) que colocam as pessoas de quem gostam num pedestal (pedestal). É o famoso amor platônico.
O creep gosta do pedestal, e gosta tanto, que não se sente digno de ser correspondido, o idealiza e fantasia situações. E quanto mais gosta da pessoa, mais distante ela fica. Pode ser até que se declare (o que nunca é o meu caso), mas não é correspondido, mesmo assim adora o chão que o pedestal pisa. Guarda palavras ou frases que muitas vezes não tiveram importância ao pedestal, mas interpreta como algum sinal e as guarda no coração.
O melhor de toda a teoria é que o autor, Renato Thibes, exemplifica com trechos de músicas clássicas, escritas por verdadeiros creeps. Os clássicos são “Ana Júlia” dos Los Hermanos, Guns N’ Roses (quem diria que o Axl já foi creep?), U2, Coldplay, Radiohead. Afinal quem nunca foi creep? Pelo menos pelo Brad Pitt ou o garoto mais bonito da escola?!
Para mim, quase todos os compositores (que para mim são os melhores cantores) e escritores têm um pouco de creep. Principalmente os escritores, pois eles podem concretizar no papel, ou na mente deles (100% meu caso), o que não aconteceu na realidade.
Há alguns trechos de músicas em especial que quase me fizeram chorar. Juro.
"When you were here before, I couldn't look you in the eye (...) I wish I was special, you're so fucking special, but I'm a creep, I'm a weirdo, what the hell am I doing here? I don't belong here (...) I want a perfect body, I want a perfect soul, I want you to notice when I'm not around (...)"
Quando você esteve por aqui, eu não conseguia olhar nos seus olhos (...) Eu queria ser especial, você é tão especial, mas eu sou um creep (sem tradução), sou um estranho, o que diabos estou fazendo aqui? Eu não pertenço a este lugar (...) Eu quero um corpo perfeito, eu quero uma alma perfeita, eu quero que você perceba quando eu não estiver por perto (...). - "Creep" - Radiohead
"So I look in your direction, but you pay me no attention, and you know how much I need you, but you never even seen me."
Então eu olho na sua direção, mas você não me dá atenção, e você sabe o quanto eu preciso de você, mas você nunca sequer me viu. - "Shiver" - Coldplay
"All the love gone bad, turned my world to black, tattooed all I see, all that I am, all I'll be. I know someday you'll have a beautiful life, I know you'll be a star in somebody else's sky, but why can't it be mine?"
Todo o amor ficou mal, tornou meu mundo negro, manchou tudo que eu vejo, tudo que eu sou, tudo que serei. Eu sei que um dia você terá uma bela vida, eu sei que você será uma estrela no céu de outra pessoa, mas por que não pode ser no meu? - "Black" - Pearl Jam
"Close your eyes and think of someone you physically admire, and let me kiss you (...) But then you open your eyes and you see someone that you physically despise."
Feche os seus olhos e pense em alguém que você admira fisicamente, e me deixe te beijar. (...) Mas então você abre seus olhos e vê alguém que você repudia fisicamente.
- "Let Me Kiss You" – Morrissey
"If you don't love me, lie to me. Cause baby you're the one thing I believe."
Se você não me ama, minta para mim. Pois você é a única coisa em que acredito. - "Lie to Me" - Bon Jovi
"I was alright for a while, I could smile for a while, but I saw you last night, you held my hand so tight as you stopped to say 'hello'. You wished me well, you couldn’t tell that I'd been crying over you (...) I thought that I was over you but it's true, so true - I love you even more than I did before, but darling what can I do? For you don’t love me and I'll always be crying over you."
Eu estava bem por um momento, eu podia sorrir por um momento, mas eu te vi na noite passada, você segurou minha mão tão apertado quando parou pra dizer oi. Você me desejou bem, nem imaginava que eu estive chorando por você. (...) Eu pensei que eu havia te superado, mas é verdade, tão verdade - eu te amo ainda mais do que amava antes, mas querida, o que posso fazer? Você não me ama e eu estarei sempre chorando por você. - "Crying" - Roy Orbinson
Eu sei. São músicas bem EMO, não?! Algumas pegam pesado mesmo. Eu nunca gostei de ninguém o suficiente para chorar, entende?! Mas minha trajetória de ser creep é longa. Muito longa. Acho que começou quando eu tinha 3 anos (!!!) e gostei de um menino da igreja. Ele devia ser da minha idade. Não me pergunte como eu sei, apenas que a imagem dele é a mais antiga que eu tenho (eu acho).
A partir de então eu sofro da famosa síndrome “apaixonada pelo garoto mais bonito da escola”. Embora nem sempre os meus critérios de beleza fossem idênticos ao dos demais. Mesmo assim, a única vez que eu namorei foi quando eu era creep de um creep meu.
Mas, para falar a verdade, eu não acho chato ser creep. É meio triste não ser correspondida e tal. Contudo, a minha parte preferida é ficar imaginando situações. Estimula ao máximo minha veia literária.
No dia (bem futuro) em que eu ganhar meu prêmio Nobel de Literatura vou dedicar a todos os creeps. Afinal, se eu não fosse creep nunca escreveria romances.